Inaceitável cerceamento de defesa nos púlpitos do Tribunal de Justiça do Ceará

Desde a pandemia COVID, em 2020, instalou-se no mundo a digitalização das convivências sociais, que já vinha em ascensão pela evolução e estabilidade das conexões de internet, acelerando as tecnologias de tráfego de dados e popularização do 5G nos aparelhos celulares. Apresentações, conversas, atendimentos e tudo o que for possível transmitir por som e imagem agora se tornou rotina das mais comuns. Igualmente forçada a evoluir, a medicina nos legou a vacinação em massa contra o novo vírus, que somente não foi mais eficaz pelo anteparo do negacionismo, em passagem da história recente sofrida no campo político também mundial.

Como reflexo do campo social, o jurídico igualmente abriu caminho para a superação de seus paradigmas convencionais, com a virtualização dos autos dos processos judiciais, a realização de audiências pela modalidade telepresencial, o cumprimento de expedientes intimatórios e citatórios por meio eletrônico e até mesmo por mensagem em Whatsapp. Todavia, da mesma forma que se obstou os melhores resultados da área da saúde pública, por vezes nos deparamos com a negativa de realização de atos audienciais por videoconferência, embora disponível a tecnologia e os meios para tanto.

Veja-se, por exemplo, que na ambiência do Tribunal de Justiça do Ceará algumas de suas câmaras de julgamento advertem o advogado de que a sustentação oral em feitos levados a julgamento somente se permite de forma presencial, exceto àqueles que “residam” fora da Capital. Para tanto, e sendo necessário o verniz de legalidade, o comando restritor se faz arrogando uma leitura enviesada do art. 937, §4º, do Código de Processo Civil, que garante ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa da sede do tribunal realizar sustentação oral por meio de videoconferência. Outra norma que embasa o óbice do exercício profissional é a Resolução n. 10/2020 do Pleno do TJCE, que trata da sustentação oral nas sessões de julgamento por videoconferência naquele Sodalício.

Ressalte-se que nenhuma das duas normas indicadas veda a sustentação oral do advogado com domicílio profissional na sede do tribunal estadual do Ceará. Com efeito, da forma como é colocada a restrição, o advogado profissionalmente domiciliado em Eusébio, que fica a poucos quilômetros da sede do TJCE, poderá fazer sua sustentação oral do seu local de trabalho, enquanto o profissional com escritório na Barra do Ceará, em Fortaleza, não será permitido o mesmo direito, embora este segundo causídico da Capital esteja praticamente no triplo da distância do interiorano em relação ao prédio sede do Poder Judiciário cearense onde se realizam as sessões de julgamento.

Por certo a ratio legis não se presta a definir se o advogado mais distante da sala da sessão de julgamento poderá ou não realizar seu ofício de sustentação oral. Assim o fosse expressamente o faria em seu texto. A norma de justifica a assegurar a plena fruição do exercício profissional àqueles que não puderem se dirigir ao local onde se pratica o ato presencial, sendo presumido que o advogado atuante em município distinto da sede do tribunal o faça do seu local de trabalho. Não há, na intelecção do dispositivo legal, qualquer vedação do exercício do direito de sustentação por videoconferência por quem esteja em situação distinta de localização, tratando-se de interpretação restritiva e sem respaldo hermenêutico.

Como se sabe, qualquer norma restritiva de direitos ou sancionadora não se interpreta de forma extensiva, mas, sim, restritiva. A interpretação extensiva possui valia para se ampliar a fruição de um direito previsto em norma jurídica a fim de lhe dar o melhor sentido aos casos omissos ou não abordados amiúde, como é o caso da regra do art. 937, §4º, do CPC, acima citado. Ora, se a norma assegura o direito de sustentação oral ao advogado com domicílio profissional distinto da sede do tribunal, tal direito deve ser estendido aos profissionais atuantes na mesma cidade da Corte de Justiça, porque não há, na norma, qualquer indicativo de ser vedada a prática do ato em caso distinto. O texto, obviamente, disse menos do que deveria, ressaltando, ainda, que sua redação se deu antes do evento pandêmico de 2020, devendo, portanto, ser interpretada à luz do tempo em que é aplicada.

Peculiar registro deve ser feito no caso do tribunal estadual cearense, em que as sessões de julgamento por vezes contam com a participação dos representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, e mesmo magistrados julgadores, na modalidade virtual, ou seja, por videoconferência, mas é indeferida a sustentação oral no mesmo formato. Não há, nos vídeos disponíveis no canal oficial do TJCE no Youtube, qualquer advertência aos demais atores do Judiciário quanto à necessidade de comparecimento pessoal em sessão de julgamento.

E assim, de forma arbitrária, manda-se às favas a regra de que não há hierarquia ou subordinação entre juízes, promotores e advogados (art. 6º do Estatuto da Advocacia), esquecendo-se que todo início de carreira jurídica passa obrigatoriamente pelo estágio profissional da advocacia, que é o mesmo destino dos mesmos servidores públicos em suas aposentadorias ou desligamentos funcionais. Finalmente, para a solução da questão das sustentações orais por videoconferência não carece de qualquer exercício de interpretação hermenêutica, mas apenas de empatia, ainda que profissional. Se eles não nos ouvem em sessão, que nos ouça o público.

https://www.youtube.com/watch?v=iiLbN6lsOaY, 00:01:11

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